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Um brinde à infância


Imagem Google

     A cidade tem muito ainda a aprender com a civilização rural. Amigas e vizinhas, as duas acharam que levavam na mala a roupa apropriada para a festa no curral: botas e calças jeans. Mas foram as únicas. O público feminino estava a rigor para a boate rural, com vestido de lantejoulas, salto alto, batom vermelho e cabelo escovado. As duas se entreolharam, acharam graça e partiram para a diversão.
     Foi então que uma delas aceitou uma garrafa pequena do guaraná que o garçom oferecia. Olhou o nome no rótulo e achou familiar: Artemis. Ao levar na boca, o sabor desceu à  memória e lembrou a infância. Tentou ler o local de fabricação. A letra era tão minúscula e a luz do curral reforçada por gerador não ajudava... A garrafinha circulou de mão em mão até que alguém conseguiu decifrar o enigma. Era mesmo fabricada na cidade mineira da sua infância. Que doce sabor! Era, sem dúvida, o melhor refrigerante do mundo!
     O desenho do rótulo piorara. Não trazia mais a deusa da caça, mas as frutinhas do guaraná. Num instante, o assunto flutuou entre as lembranças de cheiros e sabores que memorizamos da infância. Alguém lembrou do quebra-queixo vendido na porta da escola, outro do doce de queijo da vovó,do moranguinho das festas de aniversário e alguém do guaraná Jesus, do Maranhão.
     - Ah, mas o Artemis é melhor. Guaraná Jesus tem esse nome porque é ruim.
- Como assim?
- A pessoa experimentou e disse “Jesus!” – disse o rapaz mineiro, criado no Espírito Santo e agora morador fixo da capital federal.
     A dona da memória da infância do guaraná Artemis lembrou então do amigo de São Luís, que trouxera uma vez o guaraná Jesus para ela provar. A bebida cor-de-rosa tinha gosto doce demais, mas era o sabor da infância dele e o melhor que poderia existir.
Naquela boate rural, ela refletiu então sobre os perfumes e sabores que carregamos da infância. Brindou com o guaraná Artemis o momento dividido com os amigos. E lembrou do crítico gastronômico do clássico Disney "Ratatouille" que, ao provar o prato feito pelo chef ratinho, sentiu saudade da comida da mãe e da infância. A emoção da primeira garfada encheu-lhe os olhos de lágrimas.
Pensando assim, para o amigo maranhense, Jesus superá para sempre a deusa grega Artemis, a toda-poderosa filha de Zeus, e irmã gêmea de Apolo. Para ela, no entanto, Artemis será sempre o  refrigerante dos deuses. Um brinde à infância que carregamos!

3 comentários:

  1. Delícia de texto, bebi cada gole como a provar os sabores da minha própria infância, Rovênia.

    O amigo maranhense ficou como aquele personagem do Marcel Proust (Em busca do tempo perdido) que tinha como inspiração as memórias trazidas pelos sabores. Nesse caso, a inspiração constagiou você.

    Da infância me lembro, quando masco chiclé de hortelã ou chupo balas de mel.

    Ótima semana para você!

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  2. Sabores e aromas neste teu delicioso post!
    Acho que todos nós temos um cheiro ao menos, mesmo que ainda escondido da nossa infância.
    Adorei te ler. Beijo

    ladodeforadocoracao.blogspot.com

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  3. Oi Rovênia!
    Sabe que um guaraná também me faz recordar de minha infância?
    Minha avó comprava uma garrafinha de plástico pequena, tinha uns 250ml de guaraná, que se chamava Pitchulinha. Eu amava! E depois de um tempo sumiu das prateleiras... Mas consigo recordar muito só de lembrar!

    Adorei o texto.
    Um abraço!

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